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Foto do escritorBerenice Cunha Wilke

ALIMENTAÇÃO OCIDENTAL E SAÚDE CEREBRAL

Atualizado: 15 de abr.

O início das técnicas de agricultura há cerca de 10.000 anos causou uma mudança ambiental permanente que teve um efeito profundo na fisiologia e na saúde humana. Essa mudança alimentar, relativamente rápida, aonde o consumo de alimentos silvestres pré-agrícolas e oriundos da caça, que vinha sendo realizado por milhares de anos foi substituído pelo consumo de alimentos da era pós-industrial.


Nos últimos 200 anos o consumo de alimentos semiprocessados, ultraprocessados e excessivamente calóricos ​​ vem ocorrendo de forma cada vez mais frequente no mundo ocidental. A rapidez com que essa mudança de hábitos alimentares ocorreu não permitiu que fosse acompanhada pela adaptação evolutiva das espécies microbianas que habitam o trato gastrointestinal humano ocasionando um impacto nocivo na saúde.


A microbiota intestinal humana, composta por uma população diversa e dinâmica de micróbios, demonstrou ter interações extensas e importantes com os sistemas digestivo, imunológico e nervoso. As alterações dessa microbiota (disbiose) induzidas pela dieta ocidental, mostrou ter um impacto negativo na fisiologia digestiva humana, com efeitos patogênicos no sistema imunológico e cerebral, podendo ocorrer aumento da neuroinflamação.


Uma extensa quantidade de evidências científicas ligam a neuroinflamação à disfunção neural, não sendo então uma surpresa que a dieta ocidental tenha sido implicada no desenvolvimento de muitas doenças e distúrbios cerebrais, incluindo deficiências de memória, distúrbios neurodegenerativos e depressão.


Embora se pensasse que o cérebro era um órgão privilegiado, imune às mudanças dinâmicas que ocorrem nos sistemas digestivo, imunológico e circulatório, agora está claro que o alimento que um organismo consome pode afetar o funcionamento do cérebro.

A microbiota intestinal transforma as fibras alimentares e os polissacarídeos vegetais em ácidos graxos de cadeia curta, como o butirato, e derivados de aminoácidos. Diversos estudos mostraram que o butirato pode modular a integridade da barreira hematoencefálica ​​e a função cerebral. Em camundongos que receberam o butirato por via venosa, foi constatado, além da proteção da barreira hematoencefálica, um aumento da neurogênese.

Em outro estudo, camundongos livres de germes exibiram defeitos na microglia, que é a célula imune cerebral, durante a gestação. A maturação da micróglia foi resgatada pelos ácidos graxos de cadeia livre produzidos pelas bactérias intestinais.

Novos estudos são necessário para entender como a microbiota intestinal pode ser manipulada para atingir um equilíbrio ideal de ácidos graxos de cadeia curta na periferia e no cérebro para proteger a saúde cognitiva.

A microbiota intestinal também desempenha um papel essencial no catabolismo de aminoácidos, cujos produtos podem influenciar o equilíbrio da produção de neurotransmissores, crítico para o funcionamento adequado do cérebro.

Estudos mostraram que diferentes bactérias podem sintetizar e liberar diferentes neurotransmissores. Espécies dos gêneros Lactobacillus e Bifidobacterium metabolizam o glutamato e o transformam em GABA. O glutamato tem uma função excitatória no cérebro e o GABA uma função inibitória. O equilíbrio entre o glutamato e o GABA, além de beneficiarem as funções cerebrais, atuam na manutenção da permeabilidade adequada da barreira hematoencefálica.


A microbiota intestinal também regula a serotonina, alterando os níveis de seus precursores. Ela produz o triptofano, um aminoácido essencial, que através da circulação sanguínea, pode cruzar a barreira hematoencefálica e iniciar a síntese de serotonina no cérebro.


Foi demonstrado que a depleção de triptofano afeta uma variedade de processos cognitivos, incluindo aprendizagem e memória em indivíduos saudáveis ​​e doentes.


DIETA OCIDENTAL E EIXO INTESTINO-IMUNE-CÉREBRO


A microbiota intestinal é um ecossistema complexo que evoluiu com os sistemas digestivo, imunológico e nervoso. Alterações drásticas na dieta, como as que ocorreram com a introdução da dieta ocidental atual, impactaram significativamente a microbiota intestinal e, portanto, a saúde geral do organismo.


A dieta ocidental apresenta um desafio extremo para a microbiota intestinal, pois impacta negativamente a fisiologia digestiva humana e pode ter efeitos patogênicos no sistema imunológico, além de causar mudanças no sistema nervoso central e, em última análise, no comportamento.


Substâncias produzidas pela microbiota intestinal alterada pela dieta ocidental podem causar a síntese e liberação de citocinas pró-inflamatórias , como a interleucina-1beta (IL-1β), interleucina-6 (IL-6), fator de necrose tumoral alfa (TNFα) e interferon gama (INFγ) causando um estado inflamatório no organismo.


Além de impactar diretamente a inflamação, a dieta ocidental também contribui para o aumento da proporção de bactérias pró inflamatórias que podem aumentar a permeabilidade intestinal, agravando ainda mais a inflamação, um estado conhecido como endotoxemia metabólica.


Essas substâncias inflamatórias, produzidas pela microbiota intestinal, também podem ser transportados através da barreira hematoencefálica causando uma resposta pró-inflamatória cerebral. Este fenômeno pode alterar os circuitos neurais que regulam o equilíbrio de energia e promover ainda mais o consumo excessivo de nutrientes. Além disso, podem atingir outras regiões cerebrais onde pode ter efeitos deletérios sobre o aprendizado e a memória e contribuir para a patologia neurodegenerativa.


CARBOIDRATOS REFINADOS E AÇÚCAR

Outro alimento básico da dieta ocidental são os carboidratos refinados, que são grãos processados ​​para remover todo o farelo e fibra, como por exemplo: pão branco, arroz branco, macarrão, amido, sacarose e xarope de frutose.

Esses alimentos alteram a composição da microbiota intestinal resultando em inflamação intestinal e cerebral.

O consumo de carboidratos refinados e açúcar também tem um impacto direto na função cerebral. Estudos pré-clínicos mostram que o consumo excessivo desses nutrientes leva a condições hiperglicêmicas em todo organismo, incluindo o cérebro, que podem impactar diretamente o metabolismo glial e neuronal e, finalmente, causar neuroinflamação e deficiências sinápticas. Esta neuroinflamação induzida por hiperglicemia prejudica o aprendizado e a memória e aumenta o comportamento depressivo e de ansiedade em roedores.

Em humanos a hiperglicemia foi associada a aumentos nas citocinas pró-inflamatórias circulantes sendo associada ao desempenho cognitivo prejudicado em indivíduos mais velhos com diabetes tipo 2, sugerindo uma ligação entre hiperglicemia e cognição em humanos.


FIBRAS ALIMENTARES

Devido ao alto consumo de carboidratos refinados e açúcares simples, a dieta ocidental é deficiente em fibras. A fibra é um nutriente vegetal e resistente às enzimas intestinais e pancreáticas. Portanto, os humanos dependem das bactérias intestinais no cólon para fermentar e metabolizar a fibra que consumimos.


As bactérias intestinais usam fibras para produzir os ácidos graxos de cadeia livre benéficos ao organismo, que são absorvidos pela corrente sanguínea e podem se difundir facilmente através da barreira hematoencefálica e atingir o cérebro. Uma vez no cérebro, eles podem se ligar a receptores localizados na microglia e produzir um efeito antiinflamatório. Eles também são essenciais na regulação da função imunológica periférica, o que pode impactar indiretamente o cérebro. Devido à combinação de deficiência de fibra, que resulta em um declínio nas bactérias que produzem os ácidos graxos de cadeia livre e a ingestão excessiva de açúcar, que resulta em um declínio nas bactérias transportadoras dessas substâncias produzidas pela microbiota intestinal, o consumo da dieta ocidental resulta em um declínio significativo no sistema imunológico e cerebral.


DIETA OCIDENTAL E SAÚDE DO CÉREBRO


O surgimento da dieta ocidental está estreitamente correlacionado com um aumento na prevalência de doenças crônicas, incluindo obesidade, diabetes, doenças cardíacas, certos tipos de câncer e distúrbios do trato gastrointestinal, como a síndrome do intestino irritável e doenças inflamatórias intestinais. No entanto, até recentemente, o impacto desses alimentos na saúde do cérebro era frequentemente esquecido. Devido a interconexão dos sistemas digestivo, imunológico e nervoso, não é surpresa que a dieta ocidental esteja envolvida no desenvolvimento de inúmeras doenças e distúrbios cerebrais.


Um dos mecanismos predominantes pelos quais a disbiose intestinal e a atividade imunológica periférica exagerada impacta a função cerebral é alterando a integridade da barreira hematoencefálica, que é essencial para o funcionamento sináptico adequado, processamento de informações e conectividade neuronal.


Esse aumento da permeabilidade da barreira hematoencefálica permite que moléculas tóxicas derivadas do sangue, nutrientes, células e microrganismos entrem no cérebro, o que pode iniciar vias de inflamação e neurodegeneração.


O acúmulo de material neurotóxico e a redução do fluxo sanguíneo podem ativar a microglia e os astrócitos, causando uma resposta inflamatória, secretando citocinas e quimiocinas neurotóxicas.


Além disso, mudanças cerebrais relacionadas à idade podem afetar as propriedades da barreira hematoencefálica. Estudos mais recentes em roedores mostraram defeitos relacionados à idade no transporte de glicose, aminoácidos e hormônio através da barreira hematoencefálica, que estão associados ao declínio cognitivo.




Sou Dra. Berenice Cunha Wilke, médica formada pela UNIFESP em 1981, com residência em Pediatria na UNICAMP. Obtive mestrado e doutorado em Nutrição Humana na Université de Nancy I, França, e sou especialista em Nutrologia pela Associação Médica Brasileira. Também tenho expertise em Medicina Tradicional Chinesa e uma Certificação Internacional em Endocannabinoid Medicine. Lecionei em universidades brasileiras e portuguesas, e atualmente atendo em meu consultório, oferecendo minha vasta experiência em medicina, nutrição e medicina tradicional chinesa aos pacientes.


Para saber mais:

Nutrientes. 10 de janeiro de 2021; 13 (1): 196. doi: 10.3390 / nu13010196.

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