As alterações do neurodesenvolvimento relacionadas as mutações do gene IQSEC2 constituem uma condição genética rara que resulta em uma alteração na função de um gene chamado IQSEC2.
As mutações do gene IQSEC2 podem causar deficiência intelectual, que muitas vezes é acompanhada por convulsões e autismo.
A alteração no gene IQSEC2 foi descrita pela primeira vez em uma única criança em 2013 e desde então, até 2019, cerca de 100 crianças/pessoas foram descritas.
Essas alterações do gene IQSEC2 são diagnosticadas pelo exoma. Recentemente, ocorreram grandes avanços em tecnologia e eficiência dos exames genéticos o que tem permitido que cada vez mais pessoas sejam diagnosticadas com as alterações genéticas do IQSEC2 e de outros genes.
CARACTERÍSTICAS FÍSICAS DO IQSEC2
Todas as crianças com transtorno relacionado ao IQSEC2 parecem diferentes, mas algumas características faciais compartilhadas foram observadas em algumas crianças com transtorno relacionado ao IQSEC2. Essas características incluem olhos profundos, lábios carnudos e cabelo frontal levantado.
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS DO IQSEC2
Atraso no desenvolvimento;
Deficiência intelectual;
Dificuldades de fala e linguagem ou fala ausente;
Convulsões e epilepsia;
Transtorno do espectro do autismo ou comportamento semelhante ao do autismo;
Hipotonia (baixo tônus muscular/fraqueza);
Regressão de desenvolvimento;
Outras características possíveis:
Marcha atáxica (instabilidade ao caminhar e/ou correr);
Babar;
Risadas inexplicáveis;
Problemas de visão e/ou estrabismo;
Formato de cabeça incomum;
Anomalias estruturais do cérebro na tomografia cerebral;
Dificuldades de alimentação;
Refluxo gastroesofágico;
Constipação;
Distúrbios de sono (podem melhorar com a melatonina);
Escoliose (curvatura da coluna);
DIFERENÇA ENTRE OS SEXOS
Uma revisão recente resumindo 136 indivíduos e 70 tipos diferentes de mutações mostrou que o autismo está presente em 25% dos homens afetados e 30% das mulheres afetadas.
Nas meninas/mulheres afetadas o quadro clínico é extremamente variável, sendo a maioria gravemente ou profundamente afetada, embora se saiba que algumas são apenas ligeiramente ou não são afetadas de todo. Em geral, as meninas/mulheres com transtorno relacionado ao IQSEC2 são menos gravemente afetadas do que os meninos/homens. A razão para isso não é bem compreendida. Para genes localizados no cromossomo X, a explicação comum para sintomas menos graves em mulheres é a presença de uma segunda cópia não afetada do gene no outro cromossomo X. Da mesma forma, os sintomas variáveis são comumente explicados pelo processo natural de inativação do X, quando um cromossomo X é “desligado” aleatoriamente em cada célula durante o desenvolvimento fetal inicial (seja aquela com a variante ou aquela sem). No entanto, O IQSEC2 parece ser um gene complicado e ainda não está claro se o IQSEC2 é ou não um dos poucos genes que “escapa” da inativação do X. A explicação comum para sintomas variáveis observados em mulheres pode não ser válida para o IQSEC2.
Os meninos/homens (XY) possuem apenas uma cópia do IQSEC2 porque possuem apenas um cromossomo X em cada célula, mas ainda não está claro se esta é ou não a explicação para o fato de tenderem a ser afetados mais gravemente (por exemplo, têm maior probabilidade de serem utilizadores de cadeiras de rodas e não falarem) do que as meninas/mulheres.
PARA QUE SERVE O IQSEC2
O gene IQSEC2 recebeu esse nome devido a duas de suas regiões conhecidas como IQ e os domínios SEC7. Domínios dos genes são as sequências de nucleotídeos que podem ser distinguidas umas das outras com base nas suas propriedades estruturais e/ou atividades.
O gene IQSEC2 codifica a proteína IQSEC2, que é conhecida por interagir com outras proteínas, que estão envolvidas na transmissão de mensagens químicas pelos neurônios (células nervosas) no cérebro. Quando o gene IQSEC2 não está funcionando corretamente, a proteína IQSEC2 está anormal ou ausente e isso interfere no envio de mensagens químicas no cérebro.
O gene IQSEC2 é expresso em neurônios e está envolvido na organização do citoesqueleto, na morfologia da coluna dendrítica e na organização sináptica excitatória
Os neurônios produzem muitas projeções longas (dendritos) que são projetadas para se conectar com células vizinhas. Os dendritos, que se parecem com galhos de árvores, coletam informações para trazê-las de volta ao neurônio. Um neurônio pode se comunicar com milhares de outros neurônios simultaneamente por meio dessas projeções. Sabe-se que o IQSEC2 desempenha um papel no crescimento normal de estruturas chamadas espinhas dendríticas, que são saliências que crescem a partir dos dendritos e são essenciais para a transmissão de sinais elétricos ao corpo celular (a parte central) do neurônio. O crescimento das espinhas dendríticas é necessário para o desenvolvimento de uma rede saudável de células cerebrais interconectadas e é crucial para o aprendizado e a memória. A função precisa do IQSEC2 não é completamente compreendida. Espera-se que a pesquisa nos dê uma melhor compreensão disso no futuro.
Vários estudos mostraram que o IQSEC2 é uma proteína abundante nas sinapses excitatórias e desempenha um papel importante no desenvolvimento neuronal, bem como na plasticidade sináptica.
O IQSEC2 tem um papel muito importante também nos receptores do glutamato (neurotransmissor excitatório).
TRATAMENTO
Os estudos sugerem possíveis alvos para tratamento medicamentoso na deficiência intelectual e autismo associados ao IQSEC2 com base na fisiopatologia molecular associada a mutações específicas.
Um alvo potencial é a atividade SEC7 do IQSEC2. Um segundo alvo potencial é a regulação da reciclagem dos receptores AMPA.
A importância de compreender o mecanismo preciso subjacente a uma determinada mutação para a terapia personalizada é sublinhada pela aparente diferença na fisiopatologia molecular das diferentes mutações do IQSEC2. Muitas mutações IQSEC2 (especificamente truncamentos ou mutações missense em Sec7) resultam em uma regulação negativa da atividade IQSEC2 Sec7 e um aumento correspondente na superfície do receptor de glutamanto AMPAR. Isto representa precisamente a fisiopatologia oposta ao que é visto em outra mutação, a A350V IQSEC2.
No que diz respeito à atividade Sec7 elevada devido a mutação A350V, o objetivo seria restaurar a situação normal em que a atividade Sec7 é normalmente inativa e só é induzida pelo influxo de cálcio através do receptor NMDA. Atualmente a "Johns Hopkins University" e o "Technion Israel Institute of Technology" estão trabalhando no desenvolvimento de um medicamento para regular essa função.
Os receptores AMPA são afetados negativamente no autismo. Para a reciclagem dos receptores AMPA, existem atualmente vários medicamentos. Especificamente, o medicamento parampanel (Fycompa) que inibe a reciclagem. Por outro lado, a ritalina e o aniracetam (considerado um medicamento na europa e um suplemento nutricional nos USA) aumentam a reciclagem.
Neste momento muitas pesquisas estão sendo propostas e algumas já estão em curso para descobrir novos medicamentos ou tratamentos para essa condição.
Outros tratamentos também em estudo são:
Criação de células-tronco derivadas de neurônios (mini cérebro);
Aumento da atividade normal do gene IQSEC2 em mulheres com distúrbios relacionados ao IQSEC2;
Terapia gênica - estão em andamento os primeiros ensaios de terapia genética em três laboratórios distintos utilizando o minigene IQSEC2.
Sou Dra. Berenice Cunha Wilke, médica formada pela UNIFESP em 1981, com residência em Pediatria na UNICAMP. Obtive mestrado e doutorado em Nutrição Humana na Université de Nancy I, França, e sou especialista em Nutrologia pela Associação Médica Brasileira. Também tenho expertise em Medicina Tradicional Chinesa e uma Certificação Internacional em Endocannabinoid Medicine. Lecionei em universidades brasileiras e portuguesas, e atualmente atendo em meu consultório, oferecendo minha vasta experiência em medicina, nutrição e medicina tradicional chinesa aos pacientes.
Para saber mais:
Se você tem algum familiar que tem a mutação do IQSEC2 entre em contato com essas instituições de pesquisa:
Para pesquisar sobre estudos em andamento:
Para saber mais:
Levy NS, Umanah GKE, Rogers EJ, Jada R, Lache O, Levy AP.
Int J Mol Sci. 2019 Jun 21;20(12):3038.
IQSEC2 mutation associated with epilepsy, intellectual disability, and autism results in hyperexcitability of patient-derived neurons and deficient synaptic transmission.
Brant B, Stern T, Shekhidem HA, et all.
Mol Psychiatry. 2021 Dec;26(12):7498-7508.
An IQSEC2 Mutation Associated With IntellectualDisability and Autism Results in Decreased Surface AMPA Receptors.
Rogers EJ, Jada R, Schragenheim-Rozales K, et all.
Front Mol Neurosci. 2019 Feb 20;12:43.
Ahrens-Nicklas, R.C.; Umanah, G.K.; et al.
Neurol. Genet.2017, 3, e130.
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