A hipótese da resposta ao perigo celular, que foi tratada em um post anterior, para alguns pesquisadores representa uma mudança de paradigma na forma de pensar as causa do autismo.
Um dos mais importantes pesquisadores da hipótese da resposta ao perigo celular é o professor Dr. Naviaux, que trabalha na Universidade da Califórnia - USA - e é co-fundador e ex-presidente da "Mitocondrial Medicine Society" (MMS), e um editor associado fundador da revista "Mitochondrion".
Essa hipótese afirma que a causa básica do autismo é uma alteração na resposta celular ao estresse que modifica a função normal da célula para um novo estado.
O estresse severo e/ou prolongado (perigo) força uma realocação dos recursos celulares para a sobrevivência celular em uma resposta integrada ao estresse. Essa resposta que ocorre nas mitocôndrias, aparenta ser uma disfunção mitocondrial, mas na verdade é uma mudança normal, necessária e altamente regulada da função mitocondrial.
Essa mudança programada na função mitocondrial é necessária para a imunidade inata e a inflamação, que por sua vez são necessárias para estabelecer a resposta imune adaptativa e propiciar a cura.
Mitocôndrias M1 e M2
Para enfatizar a importância e a natureza dinâmica dessa mudança programada na função mitocondrial, dr. Robert K.Naviaux as designou como mitocôndrias M1 e M2. As mitocôndrias M1 e M2 representam dois pólos de um continuum funcional regulados pela resposta ao perigo celular.
As mitocôndrias M2 são dedicadas a proteção oxidativa e são anti-inflamatórias. Em contraste, as mitocôndrias M1 são pró-inflamatórias.
As mitocôndrias M1 são encarregadas da defesa celular e aumentam o redox celular (são pró-oxidantes) e desempenham dezenas de outras funções necessárias para a defesa antiviral e antimicrobiana. A mudança das funções mitocondriais M2 para M1 é uma característica intrínseca de uma resposta ao perigo celular ativada.
Quando essa sequência de etapas metabólicas no ciclo de cura encontra um obstáculo qualquer, uma forma persistente da resposta ao perigo celular persiste. As mitocôndrias M1, pró-inflamatórias, continuam ativadas além do tempo necessário sendo responsáveis por um processo inflamatório prolongado, que afeta a trajetória do desenvolvimento infantil e pode levar ao TEA (Transtorno do espectro autista) e vários outros transtornos cerebrais.
Interação genes e ambiente no TEA
Muitos genes comuns, conhecidos por aumentar fortemente o risco do TEA, podem desempenhar um papel na sinalização ou manutenção na resposta ao perigo celular.
O X Fragil é apenas um de vários exemplos. O gene FMR1 do X Frágil codifica uma proteína que normalmente inibe a formação das citocinas pró-inflamatórias como o TNFα. A produção insuficiente dessa proteína que ocorre no X Frágil, resulta na ativação persistente da resposta ao perigo celular na forma de uma resposta inflamatória de baixo grau no cérebro.
Outros exemplos incluem a síndrome de Rett, a síndrome de Angelman, e a de Smith-Magenis.
A resposta ao perigo celular pode ser desencadeada por fatores genéticos e fatores ambientais. Alguns genes podem ser considerados como provedores da resiliência adaptativa, formando uma rede de segurança homeostática frente a um grande número de estressores.
Quando alterações genéticas diminuem essa resiliência adaptativa, ou ocorrem novas exposições, mais frequentes ou mais graves, a capacidade adaptativa e de cura das células pode ultrapassar seu limite homeostático dificultando a cura e resultando em uma forma persistente de resposta ao perigo celular.
Os fatores ambientais que podem ultrapassar a capacidade adaptativa celular incluem
traumas físicos, químicos (metais pesados, poluição, e agrotóxicos entre outros), nutricionais, microbianos (vírus, bactérias e fungos) e psicológicos.
As combinações de todos esses fatores em uma determinada casa, bairro, cidade ou ambiente rural contribuem para o conceito de carga tóxica total. Se a exposição acontecer durante períodos críticos do desenvolvimento como a gestação e a primeira infância, podem resultar no TEA e vários outros transtornos da infância. Quando os riscos evitáveis são gerenciados, os resultados da gravidez e a saúde da criança podem ser melhorados.
A resposta ao perigo celular produz efeitos na sinalização purinérgica que é responsável pela forma como os circuitos neurais são selecionados e como as sinapses são formadas e podadas no cérebro. Muitos outros sistemas e órgãos também são afetados pela resposta ao perigo celular. Isso inclui o sistema imunológico, o intestino, o microbioma e o sistema nervoso autônomo. Cada um deles é comprovadamente disfuncional no autismo.
Sou Dra. Berenice Cunha Wilke, médica formada pela UNIFESP em 1981, com residência em Pediatria na UNICAMP. Obtive mestrado e doutorado em Nutrição Humana na Université de Nancy I, França, e sou especialista em Nutrologia pela Associação Médica Brasileira. Também tenho expertise em Medicina Tradicional Chinesa e uma Certificação Internacional em Endocannabinoid Medicine. Lecionei em universidades brasileiras e portuguesas, e atualmente atendo em meu consultório, oferecendo minha vasta experiência em medicina, nutrição e medicina tradicional chinesa aos pacientes.
Para saber mais:
Naviaux RK.
Mitochondrion. 2018 Nov;43:1-15.
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