BUMETANIDA NO TEA.
- Berenice Cunha Wilke
- 3 de jun. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 13 de abr. de 2024
A Bumetanida já vem sendo pesquisada há quase uma década em ratos autistas reduzindo parcialmente sintomas relacionados ao TEA (Transtorno do Espectro Autista).
Pesquisadores descobriram que crianças pequenas no TEA, tratadas com a Bumetanida durante três meses, apresentaram melhora significativa, avaliada pela Escala de Pontuação para Autismo na Infância (CARS – Childhood Autism Rating Scale), que mede a resposta emocional, bem como a comunicação verbal e não verbal, em comparação com crianças tomando placebo.
Um estudo duplo cego publicado recentemente avaliou 83 crianças, entre três e seis anos de idade, com autismo de moderado a grave divididas em 2 grupos: no primeiro grupo 42 foram tratadas com 0,5 mg de bumetanida, duas vezes ao dia durante três meses e, no segundo grupo, 41 crianças não receberam a bumetanida (grupo controle). A melhora clínica foi confirmada também pela impressão geral de um médico que avaliou as crianças sem saber quem vinha tomando a medicação, quem não.
As crianças que usaram a bumetanida apresentaram maior redução dos comportamentos repetitivos, da inflexibilidade comportamental, do interesse exagerado por determinados objetos – hiperfoco – e, menos significativamente, as estereotipias motoras. Foi particularmente notável a diminuição dos comportamentos repetitivos e a diminuição do interesse por objetos entre as crianças tomando bumetanida.
Há relatos mais individualizados de famílias que mostram maior efetividade no contato visual e na capacidade de socializar nas crianças fizeram uso da Bumetanida.
Outro estudo de fase IIb multicêntrico, publicado em 2017, acompanhou 88 crianças de 2 a 18 anos no TEA. As crianças foram divididas em quatro faixas etárias e randomizadas para receber bumetanida (0,5, 1,0 ou 2,0 mg duas vezes ao dia) ou placebo, por 3 meses, chegando a resultados similares ao descrito acima.
O efeito da Bumetanida está restrito ao tempo de uso, ou seja, uma vez descontinuada a medicação os sinais e sintomas do TEA tendem a retornar aos níveis anteriores ao tratamento.
MECANISMO DE AÇÃO
Em nível molecular, tem havido um interesse crescente no papel desempenhado pelo neurotransmissor excitatório glutamato, e vários estudos genéticos apóiam o envolvimento dos desequilíbrios do sistema glutamatérgico no autismo.
Há um equilíbrio complexo entre o glutamato e o transmissor inibidor do ácido gama-amino-butírico (GABA) no cérebro, e algumas evidências apóiam a disfunção do GABA em crianças com autismo. Em neurônios imaturos (principalmente durante a vida fetal), com alta concentração de cloreto intracelular, o GABA atua principalmente como um transmissor excitatório (o que não ocorre após o nascimento). Durante a maturação, a concentração de cloreto diminui, o que resulta na mudança do GABA de excitatório no embrião para inibidor após o nascimento. O nível intracelular de cloreto é controlado principalmente por dois co-transportadores de cloreto - o NKCC1 que transporta o cloreto para dentro das células e o KCC2 que retira o cloreto das células. A bumetanida é um antagonista específico do NKCC1, ou seja , ela reduz o cloreto intracelular. Os estudos indicam que a bumetanida pode restaurar a inibição GABAérgica em pacientes com distúrbios do neurodesenvolvimento, diminuindo a concentração de cloreto neuronal. Níveis elevados de cloreto intracelular, que mudam a polaridade do GABA de inibição para excitação, foram observados, por exemplo, em neurônios na epilepsia.
Exames de neuroimagem feitos com espectroscopia por ressonância magnética mostraram que três meses de tratamento com bumetanida foram associados à diminuição da razão entre o GABA (o principal neurotransmissor inibitório do cérebro) e o glutamato (o principal neurotransmissor excitatório do cérebro), em duas regiões fundamentais do cérebro: no córtex insular, que desempenha um papel na empatia e na autoconsciência, e no córtex visual, que é responsável pela integração e pelo processamento das informações visuais.
A diminuição da razão GABA/glutamato foi associada à redução da gravidade dos sintomas.
Um nível equilibrado e harmonioso de GABA e glutamato no cérebro é importante para o adequado funcionamento do córtex cerebral, não somente em questões relacionadas ao comportamento humano (incluindo as habilidades sociais), mas também evitando o surgimento de crises e síndromes epilépticas.
EFEITOS COLATERAIS DA BUMETANIDA NO AUTISMO
Os efeitos adversos, incluindo hipocalemia (diminuição de potássio no sangue), urina frequente, perda de apetite, desidratação e astenia que ocorreram mais frequentemente com doses mais altas.
A Bumetanida 0,5 mg a 1 mg duas vezes ao dia foi a dose mais estudada e melhor tolerada.
A hipocalemia - deficiência de potássio - ocorreu principalmente no início do tratamento com doses de 1,0 e 2,0 mg, duas vezes, ao dia e melhorou gradualmente com suplementos orais de potássio.
A frequência e incidência de eventos adversos foram diretamente correlacionadas com a dose de bumetanida.
CONCLUSÃO

Embora a Bumetanida tenha mostrado um potencial promissor, mais estudos são necessários para que seja aprovada para o uso rotineiro no TEA.
Próximo Post sobre Bumetanida: Bumetanida no TEA - Os estudos continuam.
Sou Dra. Berenice Cunha Wilke, médica formada pela UNIFESP em 1981, com residência em Pediatria na UNICAMP. Obtive mestrado e doutorado em Nutrição Humana na Université de Nancy I, França, e sou especialista em Nutrologia pela Associação Médica Brasileira. Também tenho expertise em Medicina Tradicional Chinesa e uma Certificação Internacional em Endocannabinoid Medicine. Lecionei em universidades brasileiras e portuguesas, e atualmente atendo em meu consultório, oferecendo minha vasta experiência em medicina, nutrição e medicina tradicional chinesa aos pacientes.
Para saber mais:
Megan Brooks. Medscap 27 de fevereiro de 2020.
Lingli Zhang et all.
Translational Psychiatry volume 10, Article number: 9 (2020).
B Jordan James et all.
Ann Pharmacother, 2019 May;53(5):537-544
E Lemonnier
Et all. Transl Psychiatry. 2017 Mar 14;7(3):e1056.
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