A Covid longa é caracterizada pela ocorrência de sintomas da covid que persistem por mais de 3 meses após a contaminação. Ela atinge cerca de 43% das pessoas com infecção comprovada. Os sintomas mais comuns que podem ocorrer parecem ser fadiga, seguida de perto por depressão, ansiedade e disfunção cognitiva, distúrbios do sono, febre, falta de ar, dor de cabeça, queda de cabelo, perda de olfato e paladar.
O resultado de uma meta-análise recente, que avaliou as pessoas que tiveram covid 19 entre 2020–2021, mostrou que mais de 14 milhões de pessoas experimentaram um ou mais dos principais sintomas da covid19 três meses após a infecção, sendo que a maioria dos casos ocorreu em pessoas que apresentaram infecções mais leves. Aos 12 meses 15,1% ainda não haviam se recuperado. As crianças também podem apresentar a covid longa, com sintomas preocupantes, mesmo naquelas que tiveram sintomas leves ou nenhum sintoma da infecção por covid19.
Alguns pesquisadores tem levantado a hipótese de que a covid longa seja causada por alterações na função mitocondrial.
As mitocôndrias são minúsculas estruturas encontradas às centenas, às vezes milhares, em quase todas as nossas células. Elas são mais conhecidas como as usinas de energia do corpo, convertendo continuamente os alimentos que comemos e o oxigênio que respiramos em ATP que fornece energia para as células. Sem ATP, cada uma das nossas células, do cérebro aos músculos, não teria o combustível necessário para continuar a trabalhar, e os nossos órgãos parariam rapidamente.
A infecção pelo SARS-CoV-2 pode desviar funcionalmente a capacidade bioenergética das células infectadas para apoiar a replicação viral e causar o comprometimento cognitivo e o cansaço crônico.
Um aspecto importante para a compreensão do vírus é que as mitocôndrias não são simplesmente “centrais de força” da célula, mas têm muito mais funções incluindo o controle da temperatura, da homeostase do cálcio e da produção de radicais livres e também participam no controle da inflamação e no funcionamento do sistema imunológico. Embora as mitocôndrias sustentem as nossas células, elas também desempenham um papel crítico no processo natural de morte celular que ocorre repetidamente ao longo das nossas vidas, identificando células velhas e danificadas que devem ser eliminadas e destruídas.
Uma das complexidades únicas das mitocôndrias é que elas têm o seu próprio DNA, separado do DNA armazenado nos núcleos das nossas células, que vem de ambos os pais. O DNA mitocondrial é transmitido apenas pela mãe e consiste em menos de 17 mil pares de bases, em comparação com 3,3 bilhões no núcleo. Mas sua ação é de extrema importância e as mutações no DNA mitocondrial que impedem o funcionamento normal das mitocôndrias podem afetar a nossa saúde, contribuindo para uma variedade de doenças crônicas.
Em maio de 2023, a cardiologista Betty Raman realizou na Universidade de Oxford um estudo duplo cego, randomizado, usando um composto de nutrientes para potencializar a ação mitocondrial em pessoas que apresentavam fadiga crônica devido a covid longa. Nesse estudo, nos pacientes que receberam os nutrientes para melhora da função mitocondrial foi observado uma melhora importante da fadiga crônica.
Estudos recentes demonstraram que o SARS-CoV-2 afeta marcadamente a função mitocondrial. O virus suprime a expressão de certos genes mitocondriais afetando as vias bioquímicas de produção da energia celular e de ativação da resposta imune. A célula passa então a usar a glicólise que é uma via alternativa de produção de energia. Nessa via ocorre a quebra da glicose em ácido pirúvico que é utilizado pelo vírus da covid 19 como fonte energética permitindo que ele aumente a sua replicação o que contribui para o aumento do processo inflamatório, ou seja, para as formas mais graves de Covid 19 e para a Covid longa.
As diferenças individuais preexistentes da função mitocondrial podem contribuir tanto para a gravidade individual da Covid-19 quanto na covid longa.
Melhorar a saúde mitocondrial pode ser fundamental tanto na prevenção como no tratamento da COVID longa.
Sou Dra. Berenice Cunha Wilke, médica formada pela UNIFESP em 1981, com residência em Pediatria na UNICAMP. Obtive mestrado e doutorado em Nutrição Humana na Université de Nancy I, França, e sou especialista em Nutrologia pela Associação Médica Brasileira. Também tenho expertise em Medicina Tradicional Chinesa e uma Certificação Internacional em Endocannabinoid Medicine. Lecionei em universidades brasileiras e portuguesas, e atualmente atendo em meu consultório, oferecendo minha vasta experiência em medicina, nutrição e medicina tradicional chinesa aos pacientes.
Para saber mais:
Editorial: The Pathogenesis of Long-Term Neuropsychiatric COVID-19 and the Role of Microglia, Mitochondria, and Persistent Neuroinflammation: A Hypothesis.
Stefano GB, Büttiker P, Weissenberger S, Martin A, Ptacek R, Kream RM.
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