Diversos produtos químicos comuns no ambiente, são desreguladores endócrinos (EDCs) e podem aumentar o risco de distúrbios do neurodesenvolvimento infantil, interrompendo os processos mediados por hormônios durante períodos críticos de desenvolvimento.
Estudos mostram que o feto, o bebê e a criança em desenvolvimento têm maior sensibilidade a esses estressores ambientais,
O desenvolvimento do sistema nervoso central (SNC) depende de muitos fatores endógenos. Os hormônios tireoidianos e os hormônios esteroides sexuais estão entre os sistemas endócrinos mais estudados devido suas ações nas funções neurais, desde os primeiros estágios embrionários do desenvolvimento. Esses produtos podem, por exemplo, afetar a:
Neurulação - processo em que a placa neural e as pregas neurais são formadas, e ocorre o fechamento que forma o tubo neural,
Diferenciação, proliferação e/ou a migração neuronal,
Gliogênese,
Sinaptogênese,
Crescimento dendrítico,
Mielinização,
Apoptose,
Poda sináptica
Sistemas de neurotransmissores
Todas essas alterações podem aumentar o risco de distúrbios comportamentais, déficits cognitivos e alterações do desenvolvimento neuropsicomotor.
A exposição ambiental a baixas doses de produtos químicos é amplamente documentada.
PAPEL DOS EIXOS HIPOTÁLAMO-HIPOFISÁRIO, TIREÓIDE E GONADAL
Os hormônios tireoidianos desempenham um papel crítico na migração neuronal, sinaptogênese e mielinização durante a gestação e a infância. Mesmo variações clinicamente não significativas nos níveis maternos de tiroxina ou hormônio estimulante da tireoide (TSH) durante a gravidez estão associadas a habilidades cognitivas reduzidas, déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), aumento do risco de autismo, déficits no processamento visual, habilidades visomotoras e habilidades motoras, enquanto as reduções pós-natais estão associadas a déficits na linguagem, habilidades motoras finas, atenção e memória.
Os interferentes endócrinos podem afetar a função dos hormônios tireoidianos pré e pós-natais e com isso afetar as diferentes etapas do neurodesenvolvimento.
Esteroides sexuais, como andrógenos e estrógenos, desempenham um papel importante na diferenciação sexual de uma série de estruturas neurais. A testosterona e o estradiol atuam na proliferação e migração celular, neurogênese, diferenciação celular e plasticidade sináptica. Andrógenos e estrógenos regulam a expressão de BDNF em diversas estruturas cerebrais, com envolvimento em processos cognitivo, neuroprotetor e antidepressivo.
PAPEL DOS DISRUPTORES ENDÓCRINOS NO NEURODESENVOLVIMENTO INFANTIL
Os distúrbios endócrinos, particularmente da tireóide e dos hormônios sexuais, ocorridos durante a gestação e nos primeiros anos de vida afetam o desenvolvimento neuropsicomotor infantil. Esse período de 1000 dias, desde a concepção até os 2 anos de idade, é considerado um dos períodos de maior vulnerabilidade a ação dos desreguladores endócrinos. Ao interromper o desenvolvimento in utero, onde os hormônios desempenham papéis cruciais na migração, proliferação e diferenciação celular, os xenobióticos podem causar efeitos imediatos ou retardados, ou seja, visíveis muito mais tarde durante o desenvolvimento infantil ou mesmo na idade adulta.
PARABENOS
Os parabenos ambientais são interferentes endócrinos encontrados em produtos domésticos e de cuidados pessoais comuns. A exposição a esses produtos químicos é generalizada e eles foram detectados em mulheres grávidas, crianças e adultos. Os parabenos são conservantes muito usados em medicamentos, produtos de beleza e higiene, como shampoos, cremes, desodorantes, esfoliantes, batom ou rímel. Alguns tipos de parabenos também são usados em alimentos, como bebidas, cremes de confeitaria e conservas.
Um estudo recente, que analisou as concentrações urinárias de parabenos durante a gestação associou significativamente os parabenos a um risco aumentado de desenvolvimento atípico e limítrofe associado ao risco de TEA. Mais estudos são necessários para avaliar o risco dos parabenos na gestação no desenvolvimento neuropsicomotor e as doenças a ele associadas.
BISFENOL A (BPA)
É uma das substâncias mais estudadas por ser responsável por diversas alterações do sistema hormonal. A ingestão oral é a via de exposição predominante, uma vez que o BPA pode passar dos recipientes de alimentos e bebidas para os alimentos ou bebidas.
Utilizado na fabricação de plástico tipo policarbonato, foi banido em 2015 em todos os recipientes de alimentos na França e foi classificado em 2017 como uma substância de grande preocupação pela agência de Produtos Químicos Europeus (ECHA; 2017) com base em efeitos adversos comprovados, em particular sobre o metabolismo estrogênico, tanto nos ovários quanto no hipotálamo com efeitos nocivos na aprendizagem e na memória.
No Brasil o BPA ainda é uma substância permitida em diversas utilizações. Foi proibido apenas na confecção de mamadeiras em 2011.
A exposição ao BPA retarda a maturação dos neurônios corticais e afeta a memória espacial e não espacial por meio de mudanças na neuroplasticidade que são dependentes dos hormônios estrogênicos.
O BPA também causa uma diminuição na produção de BDNF pelo o hipocampo. O fator BDNF desempenha um papel fundamental na arborização dendrítica e plasticidade sináptica. A alteração da expressão de BDNF tem sido associada a déficits de atenção, autismo, declínio de habilidades, defeitos cognitivos e comportamentais em crianças.
FTALATOS
Os ftalatos são usados em uma infinidade de produtos de consumo, incluindo produtos de higiene pessoal, medicamentos e plásticos. Estudos de biomonitoramento de todo o mundo indicam que há exposição universal aos ftalatos entre mulheres grávidas, bebês e crianças. A exposição aos ftalatos ocorre por ingestão, inalação ou absorção dérmica. Além disso, os ftalatos podem atravessar a placenta, resultando em exposição ao feto.
Os ftalatos interferem na ação dos hormônios da tireoide, sexuais e esteroidais. Os ftalatos na gestação foram associados a:
TDHA
Autismo
Alterações comportamentais e do desenvolvimento emocional
Alterações do neurodesenvolvimento
Redução do QI
BIFENILOS POLICLORADOS - PCB
Os PCBs têm sido largamente utilizados para os mais diversos fins, tais como: fluidos dielétricos em transformadores e condensadores; em óleos de corte, lubrificantes hidráulicos; tintas; adesivos; entre outros. Eles são pouco biodegradáveis e, portanto, extremamente persistente no ambiente e nos seres vivos, ao contrário dos fenóis.
Este grupo de poluentes age nos receptores hormonais de estrógenos, andrógenos e hormônios tireoidianos.
Vários estudos em humanos mostraram uma correlação inversa entre os níveis de
PCBs circulantes e níveis maternos de T4 livre. Os níveis de PCBs maternos foram associados a diminuição do QI das crianças e atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e dificuldade de compreensão da linguagem.
TRICLOSAN
O triclosan é um produto químico antimicrobiano que interrompe a síntese de lipídios bacterianos e a integridade da membrana celular e é usado em vários produtos de consumo. A exposição é predominantemente por via oral e dérmica. Estudos de biomonitoramento indicam exposição quase universal ao triclosan entre mulheres grávidas e crianças.
O triclosan pode perturbar a homeostase dos hormônios gonadais e tireoidianos além de alterar a microbiota intestinal. Essas alterações hormonais durante a gestação podem afetar o neurodesenvolvimento. Três estudos epidemiológicos relatam associações inversas sugestivas entre a exposição pré-natal ao triclosan e a antropometria neonatal. Assim, dado que o perímetro cefálico está positivamente correlacionado com o QI na vida adulta, a exposição ao triclosan no início da vida pode afetar negativamente o neurodesenvolvimento.
PFOAS
Os PFOAS (substâncias per e polifluoroalquil) são uma classe de produtos químicos que as empresas adicionam a uma grande variedade de produtos de consumo para torná-los antiaderentes, impermeáveis e resistentes a manchas. Há mais de 9.000 diferentes produtos químicos PFAS atualmente, fazendo com que esta seja a substância sintética mais fácil de encontrar no mundo.
PFOAS podem ser encontrados em uma ampla quantidade de produtos de consumo, como roupas impermeáveis e tapetes resistentes a manchas, ceras para o piso, panelas antiaderentes, embalagens a prova de gordura, fio dental e alguns cosméticos. Eles também são usados em espumas de combate a incêndios para apagar incêndios de combustível. Pessoas podem estar expostas a estas substâncias através do contato direto com produtos, ou pelo ar que respiram, ou pelos alimentos que comem. Elas também podem estar expostas através da água potável.
O papel dos PFOAS tem sido estudados no desenvolvimento de habilidades cognitivas, alcance de marcos de desenvolvimento, alterações comportamentais e função executiva, desenvolvimento psicomotor, desempenho acadêmico e risco de transtornos do espectro do autismo , TDAH ou paralisia cerebral. Esses estudos não foram conclusivos. Mais estudos são necessários para avaliar os efeitos dos PFOAs no neurodesenvolvimento.
Sou Dra. Berenice Cunha Wilke, médica formada pela UNIFESP em 1981, com residência em Pediatria na UNICAMP. Obtive mestrado e doutorado em Nutrição Humana na Université de Nancy I, França, e sou especialista em Nutrologia pela Associação Médica Brasileira. Também tenho expertise em Medicina Tradicional Chinesa e uma Certificação Internacional em Endocannabinoid Medicine. Lecionei em universidades brasileiras e portuguesas, e atualmente atendo em meu consultório, oferecendo minha vasta experiência em medicina, nutrição e medicina tradicional chinesa aos pacientes.
Para saber mais:
What about the effects of endocrinedisruptors on neurodevelopment?].
Fini JB, Mhaouty-Kodja S.
Rev Prat. 2021 Sep;71(7):735-739.
Braun JM.
Nat Rev Endocrinol. 2017 Mar;13(3):161-173.
Jacqueline M Barkoski
Environ Res, 2019 Dec;179(Pt A):108719.
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