A hemocromatose hereditária (HH) é uma doença genética que progride silenciosamente.
Ela ocorre devido à sobrecarga do ferro no organismo. A HH ocorre devido a absorção excessiva de ferro, causada pela deficiência de hepcidina, que é um hormônio sintetizado e secretado pelo fígado em resposta aos níveis circulantes de ferro. Quando os níveis de ferro estão altos a hepcidina inibe a absorção do ferro das células da mucosa intestinal pela degradação da ferroportina-1.
As reservas de ferro no corpo são reguladas pela absorção do ferro intestinal, pois não existem processos fisiológicos para a excreção do excesso de ferro que não seja a perda de sangue através da menstruação ou descamação das células mucosas ou epidérmicas intestinais senescentes.
Com o tempo, a deposição de ferro pode levar à disfunção de vários órgãos, incluindo fígado, pâncreas, coração, articulações e glândula pituitária, aonde os níveis da maior parte dos hormônios são reguladas.
O principal objetivo no tratamento da HH é identificar os pacientes antes da lesão dos órgãos e iniciar o tratamento através da depleção de ferro (sangria curativa) antes que os danos irreversíveis ocorram.
CLASSIFICAÇÃO DA HEMOCROMATOSE
Existem 4 tipos principais de HH estabelecidas segundo os genes envolvidos. A mais frequente é devida a mutação do gene HFE.
EPIDEMIOLOGIA
A prevalência de HH relacionada ao HFE é semelhante nos Estados Unidos, Europa e Austrália, sendo de aproximadamente 1 caso em 200 a 400 pessoas.
ASPECTOS CLÍNICOS
A dificuldade em diagnosticar um paciente com HH está na ampla variedade de sintomas que essa doença pode acarretar. As manifestações geralmente ocorrem mais cedo em homens do que nas mulheres, nas quais a doença se manifesta após a menopausa.
Fadiga e artralgias são os sintomas mais comuns encontrados no início da doença.
FÍGADO
Cerca de 18% dos homens e 5% das mulheres podem ter problemas hepáticos devido à sobrecarga de ferro na ausência de outros sintomas clínicos.
O fígado é o órgão mais afetado no HH tipo 1. A apresentação clínica pode ser variável, indo da elevação assintomática das enzimas hepáticas até a cirrose hepática. O risco de desenvolver cirrose aumenta significativamente com os níveis da ferritina de 1.000 ng / mL no diagnóstico. O aumento do consumo de álcool de mais de 60 g/d pode aumentar o risco de desenvolver cirrose em HH em 9 vezes e o excesso de 80 g de consumo diário de álcool pode reduzir significativamente a sobrevida.
O mecanismo principal da lesão tecidual relacionada ao ferro foi sugerido como lesão oxidativa que sobrecarrega os mecanismos antioxidantes celulares do hepatócito. A incidência ao longo da vida de cirrose aproxima-se de 10% entre homens não tratados com HH. No cenário da cirrose, pacientes com HH também correm risco de desenvolver um carcinoma hepatocelular, que é responsável por até 45% das mortes nessa população.
CORAÇÃO
Embora manifestações cardíacas resultantes da deposição de ferro não ocorram normalmente no HH tipo 1, a cardiomiopatia permanece a segunda principal causa de mortalidade nessa população de pacientes.
ENDÓCRINO
A prevalência de diabetes entre pacientes com HH é estimada em aproximadamente 13% a 23%. O diabetes ocorre devido a lesão de células pancreáticas devido ao acúmulo de ferro e desenvolvimento de resistência à insulina hepática devido a lesão hepática associada.
A HH afeta a hipófise e por isso compromete a função de diversos órgãos.
O hipogonadismo hipogonadotrópico (HH) é uma das complicações clássicas da hemocromatose e é a segunda anormalidade endócrina mais comum após o diabetes.
Sua frequência está diminuindo provavelmente por causa de diagnóstico precoce.
Ele ocorre por depósito de ferro na hipófise com diminuição na produção de FSH e LH causando diminuição da testosterona.
Pode ocorrer também aumento moderado de ferro no testículo e um aumento no estresse oxidativo no testículo com dano oxidativo.
Nos homens, apresenta-se como impotência, perda da libido, diminuição da contagem de espermatozoides e osteoporose, enquanto nas mulheres causa amenorreia ou, menos comumente, menopausa prematura.
Certos sintomas ligados ao HH podem ter um impacto na sexualidade do paciente, como diminuição da libido, disfunção erétil e comprometimento da ejaculação, bem como em suas capacidades reprodutivas.
O hipotireoidismo também pode ocorrer, e os homens são particularmente afetados, com um risco 80 vezes maior que o dos homens na população em geral.
Além disso, até 25% dos pacientes com HH são afetados com osteoporose.
ARTICULAÇÕES
A artropatia se desenvolve em pacientes com HH, predominantemente na segunda e terceira articulações metacarpofalângicas. Outras articulações que podem estar envolvidos incluem articulações inter falângicas proximais, punho, cotovelos, ombros e quadris.
A artropatia é geralmente simétrica.
PELE
A hiperpigmentação pode ser um dos sinais iniciais de HH.
SINTOMAS GERAIS
A fadiga é um sintoma comum associado à HH. A gravidade da fadiga pode variar de leve a debilitante e pode melhorar com o tratamento .
Raramente, podem ocorrer distúrbios do movimento devido à deposição de ferro no cérebro na HH, incluindo parkinsonismo, coreia e tremor.
EXAMES
Ferritina e saturação da transferina
Na HH ocorre um aumento do coeficiente de saturação de transferrina (≥ 45%) com aumento da concentração de ferritina sérica (≥300 μg / L em humanos).
Pesquisa das mutações HFF
Ressonância quantifica os depósitos de ferro de forma não-invasiva
A ressonância magnética para a quantificação de ferro hepático ou cardíaco é o melhor método de imagem para o diagnóstico de hemocromatose, uma vez que estima o volume de ferro depositado no coração e no fígado de forma não-invasiva, evitando muitas vezes a necessidade de biópsia. O método serve também para o controle pós-tratamento (sangria) e tem utilidade no rastreamento de carcinomas hepatocelulares, mais prevalentes nos portadores da doença.
Sou Dra. Berenice Cunha Wilke, médica formada pela UNIFESP em 1981, com residência em Pediatria na UNICAMP. Obtive mestrado e doutorado em Nutrição Humana na Université de Nancy I, França, e sou especialista em Nutrologia pela Associação Médica Brasileira. Também tenho expertise em Medicina Tradicional Chinesa e uma Certificação Internacional em Endocannabinoid Medicine. Lecionei em universidades brasileiras e portuguesas, e atualmente atendo em meu consultório, oferecendo minha vasta experiência em medicina, nutrição e medicina tradicional chinesa aos pacientes.
Para saber mais:
Kowdley KV, Brown KE, Ahn J, Sundaram V.Am J Gastroenterol. 2019 Aug;114(8):1202-1218
Rabih El Osta et all. Basic Clin Androl. 2017 Jul 8;27:13.
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