A neuroinflamação é definida como a ativação do sistema imunológico inato do cérebro em resposta a um desafio inflamatório e é caracterizada por uma série de alterações celulares e moleculares no cérebro. A inflamação é o mecanismo de resposta natural do corpo para combater ameaças potenciais, convocando uma variedade de células imunológicas para um local danificado. Ao contrário da inflamação em outras partes do corpo, a neuroinflamação refere-se exclusivamente à inflamação que envolve o sistema nervoso, especialmente o sistema nervoso central. O processo inflamatório de curto prazo pode ser benéfico ao organismo. Os danos começam a ocorrer nos processos inflamatórios crônicos.
A neuroinflamação crônica pode causar ou agravar diversas condições psiquiátricas e neurológicas. A inflamação do cérebro pode ser ocasionada por um problema local do cérebro, como por exemplo um AVC, mas pode também ter origem nos demais órgãos do organismo.
A barreira hematoencefálica é a membrana que envolve e protege o cérebro. Se a permeabilidade dessa barreira estiver alterada, ela permitirá a entrada de substâncias nocivas no cérebro o que irá desencadear um processo inflamatório.
Os estudos mostram que uma das causas do aumento da permeabilidade da barreira hemato encefálica é o aumento da permeabilidade do intestino. Quando o revestimento intestinal é danificado, todos os tipos de substâncias indesejáveis - toxinas, partículas de alimentos não digeridos, bactérias e vírus, - podem passar facilmente para o sangue causando problemas de saúde.
Observou-se que a neuroinflamação, juntamente com o estresse oxidativo, são aspectos fundamentais que precisam ser levados em consideração nas doenças cerebrais e na sua progressão. A inflamação aumenta o estresse oxidativo que agrava o processo inflamatório dando origem a um ciclo vicioso. Juntos causam disfunção mitocondrial.
Causas da neuroinflamação:
Estresse crônico;
Estresses severos no passado;
Alimentação pobre em plantas e rica em produtos industrializados e farinhas refinadas,
Alteração da microbiota intestinal (flora intestinal) - disbiose
Privação do sono ou sono de má qualidade;
Obesidade visceral - ver figura 1;
Hipertensão arterial
Diabetes
Sedentarismo;
Covid-19;
Homocisteína alta;
Álcool,
Fumar,
Doenças autoimunes,
Infecções persistentes,
Exposição a poluição, agrotóxicos, metais pesados, pesticidas entre outros,
Traumas encefálicos;
Autismo;
TEA;
Medicamentos,
Figura 1 - Obesidade, neuroinflamação e disfunção mitocondrial. O consumo excessivo de alimentos na obesidade pode levar à disfunção mitocondrial caracterizada pelo aumento dos níveis de espécies reativas de oxigênio (ROS), aumento dos níveis de óxido nítrico (NO), diminuição do conteúdo proteico de PGC-1α e Mfn1/Mfn2 e diminuição do potencial de membrana mitocondrial (ΔΨm). A obesidade está associada ao aumento dos níveis de citocinas inflamatórias no cérebro e compromete a viabilidade neural.
Consequências da neuroinflamação no metabolismo cerebral:
Diminuição dos substratos necessários para a síntese de neurotransmissores como serotonina, dopamina, noradrenalina;
Excesso da neurotransmissão glutamatérgicas e excito toxicidade glutamatérgica que causa aumento da excitotoxicidade neuronal, diminuição do número de sinapses e diminuição do BDNF (fator neurotrófico derivado do cérebro) que é molécula-chave na manutenção da plasticidade sináptica, na sobrevivência das células neuronais e da neurogênese;
Diminuição da neurogênese hipocampal;
Hiperexcitabilidade neuronal;
Disfunção sináptica;
Disfunção mitocondrial;
Aumento da oxidação e inflamação;
Neurodegeneração.
Consequências clínicas da neuroinflamação:
A neuroinflamação pode ser um fator causal ou agravar diversas condições:
Fadiga;
Falta de foco;
Distúrbios cognitivos como perda de memória e dificuldade de raciocínio;
Distúrbios do humor como ansiedade e depressão,
Autismo - múltiplas hipóteses convergem para sugerir que a neuroinflamação, ou pelo menos a interação entre os sistemas imunológico e neural, pode estar envolvida na etiologia de alguns casos ou grupos de TEA. Evidências repetidas de disfunção imunológica inata foram observadas no TEA, frequentemente associadas à piora de comportamentos.
Demências;
TDHA (Déficit de Atenção e Hiperatividade);
Alzheimer;
Parkinson;
Esclerose Múltipla;
ELA.
Um estudo interessante, realizado em 2019 no Reino Unido, avaliou a inflamação crônica na meia-idade e constatou que ela pode causar problemas de memória e pensamento mais tarde na vida. Os investigadores acompanharam 12.336 homens e mulheres, com idade média de 57 anos, atribuindo-lhes uma “pontuação composta de inflamação” baseada em exames de sangue e avaliação cognitiva. Depois de controlar a idade, a escolaridade, a pressão arterial, o colesterol, as doenças cardíacas e muitos outros fatores, descobriram que quanto maior o número de fatores inflamatórios, mais acentuado é o declínio cognitivo ao longo de 20 anos de acompanhamento. A inflamação foi mais fortemente associada ao declínio da memória e ao risco de demências.
Como tratar a neuroinflamação
Alimentação saudável rica em plantas com cores diversas ricos em vitaminas e bioflavonóides,
Omega 3,
Jejum intermitente,
Dieta cetogênica,
Dieta mediterrânea ,
Microbiota intestinal saudável - a neuroinflamação no cérebro pode ter origem no intestino através da comunicação entre o sistema entérico e o SNC, que é chamado de eixo intestino-cérebro;
Gerenciamento do estresse: yoga, meditação, atenção plena,
Contato com a natureza
Atividade física moderada - O exercício moderado é definido como exercícios que aumentam a frequência cardíaca 50–60% acima da frequência de repouso.
Sono adequado
Parar de fumar
Consumo leve ou moderado de álcool - o consumo moderado é definido como um máximo de duas bebidas padrão diárias para mulheres e três para homens.
Vitamina D em níveis adequados.
Evitar a exposição a substâncias tóxicas como agrotóxicos, pesticidas e metais pesados,
Figura 2: Fatores de risco e proteção para neuroinflamação e suas contribuições para o envelhecimento positivo ou para o desenvolvimento de distúrbios neurodegenerativos e psiquiátricos. Na figura ao lado, o cérbro visto como uma árvore aonde os galhos representam os neurônios e as folhas as sinapses.
Sou Dra. Berenice Cunha Wilke, médica formada pela UNIFESP em 1981, com residência em Pediatria na UNICAMP. Obtive mestrado e doutorado em Nutrição Humana na Université de Nancy I, França, e sou especialista em Nutrologia pela Associação Médica Brasileira. Também tenho expertise em Medicina Tradicional Chinesa e uma Certificação Internacional em Endocannabinoid Medicine. Lecionei em universidades brasileiras e portuguesas, e atualmente atendo em meu consultório, oferecendo minha vasta experiência em medicina, nutrição e medicina tradicional chinesa aos pacientes.
Para saber mais:
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