Evidências emergentes indicam que produtos químicos produzidos industrialmente podem desequilibrar os órgãos endócrinos e, causar obesidade, na mesma medida que padrões alimentares ruins e devem, portanto, ser considerados nas políticas de prevenção da obesidade.
O sistema endócrino desempenha um papel fundamental na regulação do metabolismo de gorduras, carboidratos e proteínas e na garantia de que esses combustíveis supram as necessidades energéticas do corpo em todos os momentos.
Os hormônios são responsáveis pelo armazenamento do excesso de combustível em momentos de abundância e mobilização de combustível em momentos de necessidade e, principalmente, pela manutenção de níveis constantes de glicose no sangue.
Qualquer alteração nesses processos hormonais pode levar a um desequilíbrio do metabolismo.
A principal reserva de energia do corpo é fornecida pela gordura mantida nos adipócitos - células do tecido adiposo -, que também está sob controle endócrino e pode agir ele mesmo como um órgão endócrino capaz de secretar hormônios.
A interferência no controle hormonal das funções do tecido adiposo pode, portanto, também levar a depósitos inadequados de gordura e, consequentemente, à obesidade.
Interferentes endócrinos são sustâncias químicas encontradas no ambiente, naturais ou sintéticas, que tem o potencial de causar efeitos adversos na saúde interferindo na função hormonal. Eles podem imitar os nossos hormônios, ou alterar sua função, ou mesmo bloquear a função dos hormônios.
A população humana está agora ubiquamente exposta a tais produtos químicos na vida diária, em ambientes internos e externos, através do uso de pesticidas/herbicidas, produtos industriais e domésticos, plásticos, detergentes, retardadores de chama, nos ingredientes de produtos de higiene pessoal como por exemplo nos cosméticos, protetor solar, cremes hidratantes e etc...
Uma grande variedade de produtos químicos que podem ter efeitos perturbadores são usados na indústria alimentícia, como por exemplo, plastificantes usados na produção de plásticos para evitar que o plástico endureça e se torne quebradiço. Na indústria alimentícia, isso inclui garrafas plásticas, potes para armazenamento de alimentos, filme plástico, e também o revestimento interno de embalagens longa vida e de alimentos enlatados onde esses plastificantes são usados. Eles podem ser encontrados também em bicos de mamadeiras (em alguns países essas substâncias são proibidas nos bicos de mamadeira).
Assim, esses produtos químicos tornaram-se cada vez mais presentes no ar, na nossa pele e em nossos alimentos e suprimentos de água.
As pesquisas, principalmente na Europa e na América do Norte, estão mostrando uma contaminação generalizada por esses produtos químicos confirmados através de exames de sangue. Essa contaminação ocorre pelo ar, pela pele, pela água e pela comida e esses produtos químicos estão amplamente prevalentes na população humana agora.
Inicialmente os estudos mostravam que esses produtos químicos poderiam ser responsáveis pela obesidade em animais. Atualmente, estudos realizados nos USA e na Europa têm mostrado evidências crescentes de que populações com altos níveis desses produtos químicos no sangue têm uma maior prevalência de sobrepeso e obesidade. Pessoas com altos níveis em seus corpos podem ter duas ou três vezes a prevalência de obesidade em comparação com pessoas com níveis mais baixos.
Dr. Lobstein levanta um ponto muito importante na sua entrevista em relação ao consumo de refrigerantes e outras bebidas açucaradas. Inicialmente essas bebidas com alto teor de açúcar foram responsabilizadas pela obesidade. Anos depois, novos estudos mostraram que as bebidas que continham adoçantes no lugar do açúcar também estavam associadas ao maior ganho de peso, o que levanta a questão sobre o papel dos interferentes endócrinos das embalagens das bebidas açucaradas no ganho de peso.
Na figura abaixo vemos os principais disruptores endócrinos ambientais que demonstraram possuir propriedades obesogênicas,
Recentemente foi descoberto que os interferentes endócrinos podem afetar os processos regulatórios no metabolismo e no controle dos adipócitos, resultando em um desequilíbrio na regulação do peso corporal, o que pode levar à obesidade.
MECANISMOS DE AÇÃO DOS DISRUPTORES ENDÓCRINOS OBESOGÊNICOS
1- Alteração a homeostase lipídica para promover adipogênese e acúmulo de lipídios, e isso pode ocorrer através de múltiplos mecanismos:
Aumento do número de adipócitos,
Aumento do tamanho dos adipócitos
Alteração das vias endócrinas responsáveis pelo controle do desenvolvimento do tecido adiposo.
Em geral, as alterações que ocorrem no início do desenvolvimento (no utero ou pós-natal) envolvem um aumento no número de adipócitos, enquanto as alterações posteriores na vida adulta tendem a envolver principalmente um aumento no tamanho dos adipócitos.
2- Alteração de hormônios que regulam o apetite, a saciedade e as preferências alimentares, alterando a taxa metabólica basal ou alterando o balanço energético para favorecer o armazenamento de calorias.
3- Alterações na sensibilidade à insulina e no metabolismo lipídico em tecidos endócrinos como pâncreas, tecido adiposo, fígado, trato gastrointestinal, cérebro ou músculo.
Segundo Dr. Lobstein, autor de diversos estudos sobre o papel dos interferentes endócrinos na obesidade, na sua recente entrevista:
"As pessoas obesas submetidas a restrições alimentares e aumento da atividade física nem sempre conseguem obter a perda de peso desejada. Se elas estiverem sendo expostas aos interferentes endócrinos, isso as deixará com fome e aumentará o armazenamento nas células gordurosas impedindo a perda de peso. Então, culpar as pessoas por seu ganho de peso ou por falhar em perder peso, quando na verdade o aumento de peso está sendo causado por produtos químicos invisíveis no ambiente ou em embalagens de alimentos, ou em móveis ou poluentes do ar à beira da estrada. Quero dizer, você não consegue evitar esses produtos químicos. Então não é sua culpa. E acho que é um passo extremamente importante em toda essa questão sobre estigma e obesidade, preconceito de peso e assim por diante. E o jogo da culpa que é jogado pelos políticos. Então esse é o primeiro ponto de política que eu quero trazer daqui que não é culpa do indivíduo. "
Para auxiliar no controle do excesso de peso, mude seus hábitos, prefira alimentos frescos e orgânicos. Evite os produtos industrializados. Prefira sempre potes de vidro para armazenar ou congelar seus alimentos. Mantenha esses produtos químicos nocivos o mais longe possível da sua vida. Proteja sua saúde.
Sou Dra. Berenice Cunha Wilke, médica formada pela UNIFESP em 1981, com residência em Pediatria na UNICAMP. Obtive mestrado e doutorado em Nutrição Humana na Université de Nancy I, França, e sou especialista em Nutrologia pela Associação Médica Brasileira. Também tenho expertise em Medicina Tradicional Chinesa e uma Certificação Internacional em Endocannabinoid Medicine. Lecionei em universidades brasileiras e portuguesas, e atualmente atendo em meu consultório, oferecendo minha vasta experiência em medicina, nutrição e medicina tradicional chinesa aos pacientes.
Para saber mais:
Darbre PD.
Curr Obes Rep. 2017 Mar;6(1):18-27.
entrevista com Dr. Timothy Lobstein - Duke University
15 set 2021
Obes Rev. 2021 Nov;22(11):e13332
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